sexta-feira, 22 de julho de 2011

Vodka com Chaplin - parte 1

John acorda atônito, e ao mesmo tempo incapaz de se mover na rija cama onde deitava. Abriu os olhos e contemplou o teto descascado e com infiltrações. Olha para o lado direito e vê uma cômoda com uma gaveta aberta. Sua visão ainda estava turva, mas conseguia definir algo do que conseguir visualizar. Supostamente o quarto era de uma mulher, dada à calcinha pendurada no pegador da gaveta. Vira a cabeça para a frente e pára, assustado e ao mesmo tempo familiarizado com o quadro O Garoto, de Chaplin, mestre que tanto amava. John jamais havia notado a rispidez do olhar de Chaplin nesta obra, e agora um certo receio lhe tomava as têmporas por se sentir ameaçado por este olhar.

O que lhe faz perder o foco do quadro é a suave voz feminina que vem de outra peça da casa, ou de que qualquer lugar que fosse.

Close your eyes and I'll kiss you

Tomorrow I'll miss you

Remember I'll always be true…

Quando começava a balançar o pé direito sobre a coberta no ritmo da canção, outro susto. A dona da voz, extremamente alegre, abre a porta fazendo muito barulho e lhe traz dois pedaços de pão de forma e uma xícara de chá que lembrava muito uma que sua avó tinha em casa. Sem resistência e com uma fome absurda, ele morde o pão (seco e duro) e bebe um gole do chá (frio e extremamente doce), mas não reclama. A cabeça ainda era um carrossel de sombras e sons indefinidos. Depois olha nos olhos azuis da bela loira que o assiste matar a fome e tenta se lembrar da noite passada, inutilmente. Basta forçar um pouco mais a memória para sentir uma forte dor nas têmporas e decidir que tem que ir embora. De um salto, se põe sentado na cama e procura sua roupa, também inutilmente. Ele começa a se desculpar.

- Perdão, mas eu não sei o que estou fazendo aqui. Eu bebi demais, mas preciso ir pra Chicago essa tarde e...

- Chicago? (risos) Vai demorar pra isso acontecer de novo...

- Como assim? Onde estou? Onde estão minhas roupas? Que sotaque é esse? (tambores rufando, ele aponta pra janela) O QUE É ISSO?!

Não precisou ela responder nada. Em um súbito, ele corre para a janela e desvenda a cortina, mas a neblina e o vidro embaçado o impediram de se localizar. Ele abre rapidamente a janela e sente dois choques: um térmico ao sentir o vento gelado em seu peito nu, e outro ao ver a imponente construção que se erguia após os prédios de meia altura. Os tambores rufavam muito mais alto agora. Havia uma grande movimentação nas ruas. Pessoas juntas e bastante enroupadas caminhavam em uma única direção, exatamente de onde John, apavorado, não conseguia tirar seus olhos.

O Kremlin.

terça-feira, 8 de março de 2011

A firula que nos salva.

Um ato estranho de "ser brasileiro" (ou do "ser" brasileiro) é encontrar sempre defeitos na nossa nação. Todos os habitantes desta colônia parecem ser super informados, antenados e com cultura de um déspota esclarecido, e usam desta imaginada clareza para detonar a própria terra. Não me excluo desta lista. Comparo Brasil com Europa, América Latina, Estados Unidos, África, Ásia e Cachoeirinha. Acho defeitos entre o carnaval e o congresso (comparo como se fossem opostos).

Mas se temos todo esse senso crítico, porque os pontos achados nesse jogo de mil erros não são sanados? Simples, os defeitos são todos nossos. O pior de todos - ao lado de não corrigir a própria falta - é não priorizar o básico, e sim pensar direto no "professional", mesmo atracados no "beginning". Ou se fica estagnado onde está, no pé da escada, ou se deseja voar até o alto, pulando de dois em dois ou até de três em três degraus até o topo. É quase inadmissível imaginar que nós teremos forças pra chegar rapidamente ao cume, e ao mesmo tempo esquecer que, se tivéssemos realmente tal capacidade, não estaríamos no chão do mundo há tanto tempo.

Um exemplo bem claro dessa contradição são as paixões brasileiras: o futebol e o carnaval. Nos detemos na Marquês de Sapucaí, pelos acontecimentos recentes. Como a TV aberta está cada vez mais impossível (mais um erro detectado), me detive na transmissão do carnaval carioca. A Salgueiro, tradicionalíssima escola, patinava no asfalto com a destreza de um ballet. Desfile impecável, criatividade no enredo, no samba, nas fantasias e nas alegorias. A minha vontade era parabenizar pessoalmente o carnavalesco. Mas o tempo escorria na madrugada, chegava no fim, e metade da escola ainda na avenida. No fim, aquela festa extremamente criativa se tornava um filme de terror na Praça da Apoteóse. Gritos, empurrões, correrias, uma alegoria quebrada e outra incendiada. O caos formado na festa. Dez minutos de atraso e pontos perdidos na disputa. Lágrimas, discussões e exaltações. Sobrou até para a repórter da tv que estava cobrindo o fim dos desfiles. Mau planejamento, erro primordial. Assistindo esta tristeza transmitida em rede nacional, tentei evitar as comparações. Não evitei o inevitável.

Em um carnaval do Velho Mundo, com escolas de samba europeias desfilando na Champs-Élysées, automaticamente temos outra visão, seguindo a velha teoria da comparação. Talvez os gringos não teriam tanta criatividade e os sambas sairiam toscos, mas podem acreditar que a efetividade para as coisas acontecerem, esta sim eles teriam. Carros alegóricos quebrados? Um a cada 5 anos, com uma instituição idêntica à FIA para inspecioná-los e abrir um processo. Atrasos? Com punições severas e em euros, deixariam de acontecer, até porque todo carnavalesco ensaiaria mil vezes e com rigor militar o tempo do desfile. Barracões? Não. Haveriam verdadeiras escolas, com estruturas anti-incêndio e segurança, e com administradores-sócios de grandes multinacionais. Dinheiro injetado, eficácia nos projetos e eficiência na avenida. Uma adaptação para o carnaval de como conhecemos a Europa.

Se comparamos tanto na teoria, deveríamos ser assim na prática. Ter este faro para administrar nosso país, em todos os sentidos. Mas aqui se prioriza o floreio, o drible e aquele abuso de ter a situação a favor. Já o respeito à regra e a determinação para ser no mínimo eficazes são esquecidos. Aí se faz um lindo desfile, colorido e criativo, e se perde pelo básico (e não como se diz por aí, "no detalhe"). Ou se excede no tempo, ou ainda se faz a alegoria mais bela do mundo, mas se esquece que ela deve andar. Aí ficamos compadecidos, passamos a mão por cima e perdoamos - até porque o desfile foi sensacional, não é?!

Nada acontece, Os erros dos próximos anos serão os mesmos que vimos neste carnaval. Assim a imensa bola de neve de 511 anos desce implacável pela montanha, alimentada pelas firulas que encobrem as falhas fundamentais. E seguiremos apenas comparando e achando erros, todos de braços cruzados.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

QUATRO HORAS DA MANHÃ

Parece ser o horário mais distante do mundo, daqueles que ninguém tem um contato íntimo. Não conheço uma pessoa que tenha uma lembrança marcante de algum acontecimento que tenha ocorrido às quatro da manhã. Só eu. Deve ser por isso que este horário sempre me lembra silêncio e escuridão, mais que qualquer outro momento assistido pela lua.

“Vamos sair às três”, sentenciava o pai. As malas já arrumadas, o carro revisado, tudo em ordem. Eles iam dormir e eu não conseguia, ansioso com a estrada que ia pegar logo em seguida e um pouco irritado com o calor. Quando pensava em dormir, eles acordavam. Entre tomar um café escorados na pia da cozinha e carregar o carro, passávamos das três e meia. Mas quatro horas da manhã já estávamos comendo os primeiros quilômetros da freeway, rumo à casa dos meus avós maternos, no litoral catarinense. O pai gostava de pegar a estrada esta hora. Eu também.

Um walkman Aiwa era o meu parceiro destes momentos. Na mochila, uns 3 pares de pilhas-reservas e fitas do Engenheiros, do Raul e do Pink Floyd, todas herdadas dos meus irmãos. As K7 eram úteis quando as rádios rock decidiam sumir do dial, logo passando Glorinha. Até lá, eu ia saboreando baladas antigas e b-sides das emissoras daqui, olhando pros out-doors iluminados à beira da BR-290. Tenho até hoje a cena na cabeça: escutando Wonderwall (que eu não sabia de que banda era) e olhando a fábrica da Nutrella ficar pra trás. Tranquilidade extrema. Parecia estar do outro lado do muro da vida.

Deste lado do muro, era estranho imaginar como o "meu" mundo viveria por uns dias sem eu por perto. É engraçado pensar assim, remoendo horas sobre o lugar que eu deveria estar naquele momento. Como ele estaria? Logo depois, eu voltava com a cabeça pra estrada. Achava que era pretensão demais imaginar se sentiriam a minha falta. Logo mais, o amanhecer vinha lá do outro lado da Lagoa dos Barros, e chegava a hora de escutar as fitas. A estrada ficava mais movimentada, o barulho aumentava e a luz do sol começava a atrapalhar. Os raros momentos de prazer estavam por acabar.

Há seis ou oito anos atrás, eu vivia isso. Fim do ano não era tensão. Era término de colégio, começo de férias e de tranqüilidade. Passado alguns anos, agora me vejo numa sinuca de bico, engolido pelo sistema, onde tudo é muito confuso, muito nervoso e pra ontem. Na tal "época da reflexão", me sinto no meio de um mundo onde todos preferem não respirar. Em pleno calor, ninguém sequer repara o quão ridículo é nevar em uma vitrine de shopping enquanto o sol frita lá fora. Eu noto. Prefiro o natural, as coisas não forçadas. Sinto saudade de me recostar no banco de trás de um carro e sentir a vida passar pela janela. Largar o ritmo pesado e simplesmente assistir a paisagem. Se eu pudesse reviver este momento, seria o meu milagre de Natal.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sestiada

Inverno meridional de 2010. A imensa janela que todas as tardes ilumina várias mesas com computadores, inclusive a minha, faz da sala onde eu trabalho um imenso aquário assistido por todos que passam naquela pacata rua do bairro Moinhos de Vento. Em troca, a mesma janela dá aos habitantes deste viveiro humano uma paisagem verdadeiramente inspiradora. A rua vista lá de dentro da sala possuí casas e prédios de poucos andares, que parecem estar ali desde bem antes de eu nascer, visto pela pintura gasta e pelas bases feitas artesanalmente por pedras-ferro. As árvores aparentam estar nas calçadas ao mesmo tempo das moradias, a julgar pelo seu imenso porte e pelo estado do caule. E estas árvores, quando bem-humoradas, decoram as calçadas com suas folhas, e esta cena vai ficar mais bonita quando chegar o fim de setembro e os deuses acharem que já estamos passando frio por tempo demais. Pra completar, o sol de revesgueio, marca registrada dos meses gelados do hemisfério sul, esquenta tudo com a costumeira má vontade do meio do ano.
-
Esse cenário me faz lembrar de anos que o meu único compromisso era o colégio e que eu tinha as tardes livres pra fazer o que eu bem entendia - logicamente depois de lavar a louça do almoço. Se não eram os amigos que faziam eu sair de casa, a cama reclamava e pedia atenção. Se insinuava, me pressionava, e eu sem saída me entregava aos seus lencóis até a hora da Malhação. Bons tempos. Mas eu não assistia Malhação. Juro.
-
De onde será que eu arranjei toda essa intimidade com a cama, no auge da minha adolescência e com aquele sol lá fora? Creio que herdei do mesmo careca que aprendi a fazer piadas toscas, a assar churrasco e a sorrir quando o mundo desabava. Meu pai.
-
Uma das lembranças da nossa convivência diária que tenho (faz um ano e meio que não moramos mais juntos) é do seu sono após o almoço. Clássico era o domingo que eu assistia Fórmula 1 com ele e depois acompanhava seu ritual à frente da churrasqueira, aproveitando para beliscar em pequenas quantidades os melhores mal-passados da minha vida. Ele comandava o fogo e a carne com o sorriso de um Joel Santana. E após aqueles shows com espetos, íamos dar aquela "sestiada", não importava o que houvesse acontecendo. Antes do futebol das 16h na TV, era aquela roncada básica. "Pra descer a carne mais rápido", dizia ele.
-
Quando era verão, era legal. Com ele, aprendi a dormir no melhor estilo "mendigo". Pra aguentar aquelas tardes quentes, ele pegava um travesseiro ou uma almofada e atirava no chão cru amadeirado. Ali tava a cama. Deitávamos as costelas no frio parquet, cada um no seu respectivo quarto, e ali éramos feliz por uma hora ou um pouco mais. Quando não fazia tão calor, um tapete se fazia de colchão. Eram dois cachorros dormindo dentro de casa.
-
Outra mania que tenho orgulho de ter pegado dele foi a de bocejar aos berros dentro de casa. Aprendi com o seu Jassy que bocejar em silêncio, mesmo sendo má-educação, era sem graça. Então a qualquer hora do dia ou da noite que estávamos dentro de casa, era aquela lamúria que contaminava rápido. O bocejo gritado bem de alto virou uma demonstração explícita de como era bom ter sono e a sorte de estar em casa, à vontade.
-
Coincidentemente, tive estas percepções justamente na semana do dia-dos-pais, ainda na dúvida sobre o presente que lhe darei. Pensei em fazer um churrasco com ele, pra depois dar largos e sonoros bocejos e depois dormir na tarde de domingo no chão de sua casa atual. Mas aí isto seria um presente muito mais pra mim do que pro velho. Aí não vale.

domingo, 1 de agosto de 2010

OI, TIO! - décimo capítulo

Herón estava tão sem iniciativas quanto Rodrigo, que apenas acompanhava boquiaberto a gravação. Aquilo seria para o making of, mas as cenas mereciam dignamente ser inseridas no filme propriamente dito. Sophia não se intimidara nem um pouco com a presença do câmera, nem com o ambiente em que estava, entre refletores, fios e o ar gélido do estúdio. O que ela menos sentia naquela hora era frio, praticamente sobre o corpo de Herón, que nada resistia às suas investidas, mas parecia estar impressionado com a provocante audácia da garota. Enquanto ela fazia percorrer as pequenas mãos sobre seu corpo, ele misturava loucuras em sua cabeça, todos os pensamentos possíveis entre o tesão e a preocupação de estar fazendo algo errado. Pensou em divórcio, no começo de um caso com Sophia, na descoberta da polícia...ele poderia até ser preso! Mas num impulso, como se ele estivesse jogando toda a sua vida aos diabos, fez-se gerar apenas um pensamento na sua cabeça, aquele que pelo menos uma vez na vida você já teve. FODA-SE!

Tudo isso ocorria em frações de segundo, algo que o tempo não podia determinar, um best-seller erótico em slow motion. O relógio parecia ter decidido estacionar para registrar uma cena tão estarrecedora, mas também extremamente natural. Os dois pareciam ter uma intimidade secular, mas o que acontecia na frente do câmera-man era puro instinto. A direção do toque, a pressão do beijo, a intensidade da respiração, tudo se encaixava perfeitamente sobre aquele colchão. Até que...

- PAI!

Ninguém pode explicar qual sensação tomou conta de cada um que estava dentro do estúdio quando Maria Eduarda gritara na porta. Sua expressão era de choque, acompanhada da respiração ofegante pela recente corrida. Inácio vinha correndo atrás, fulo, imaginando qual seria o próximo desastre para que toda a sua idéia fosse por água abaixo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

OI, TIO - nono capítulo

Ainda com uma cara de sono, Inácio arrumava uma mesa com café da manhã: biscoitos, suco natural, pão, geléia, frutas, leite e café. Quando escuta sons de passos ecoarem do corredor, Rodrigo, entrando no estúdio com um travesseiro, avisa:

- Chegaram.

- Quantos?

- Não vi. Mas aquela guria é bem burra, falou o nome dela na portaria.

Pensativo, Inácio discorda:

- Não. Tem alguma coisa de errado.


***


- Isso aqui não ta com cara de estúdio de TV. Não tem movimento nenhum.

Sophia só olha para Herón, desconfiado, olhando para todos os lados, temendo ser visto. Para aumentar o seu nervosismo, a menina segura a sua mão, entrelaçando os dedos e sentindo o suor gelado que brotava pelos poros. Finalmente ela rompe o silêncio.

- A gente nem chegou ainda. Quer inventar desculpa pra ir embora? Eu deixo, vai.

Ele prefere nem olhar de volta. Se fosse Maria Eduarda que o respondesse daquela maneira, ele certamente já teria revidado com um tapa, ou com o clássico puxão pelo braço e a velha frase no pé do ouvido: “Em casa, a gente conversa”. Mas não, ele não faz nada. Não se sabe mais se ele está tomado pela ansiedade de estar fazendo algo errado, ou simplesmente hipnotizado por Sophia. Mas tudo indica que ele está em transe.

- Bom dia!

- Bom dia, gurizes! Ó, esse é o Herón.

- Bom dia Herón!

Herón só acorda do transe quando sua mão é quase esmagada por Sophia, e apenas responde.

- Bom dia, gente.

Enquanto os astros da gravação entravam no estúdio, a dupla produtora preparava os últimos ajustes. Pouco a pouco, Herón e Sophia foram se acostumando ao lugar. Sentaram na imensa cama de casal que eles não faziam idéia de como havia entrado pela portinhola da sala, e olhavam tudo em volta. Rodrigo traz a mesinha com a refeição, que é bem recebida, e volta para ajustar uma das câmeras com Inácio.

- Que tu acha desse cara?
- Não sei, conversa com ele. Mas depois, quando a guria for pôr a roupa.
- Beleza.

Ao mesmo tempo, Sophia fazia que dava um pão na boca de Herón, mas tirava e lhe dava enfim o primeiro beijo.

- Olha lá...vai, aproveita. Liga a câmera. Isso vai pro making of!
- Tá, tá. Ôôô, Inácio! Onde tu vai?
- Vou ali buscar a roupa no carro, já volto.


***


Maria Eduarda já contara mentalmente até mil umas mil vezes – isto ao atravessar o pátio da universidade esgueirando-se entre carros e árvores. Seu cérebro dividia a atenção entre fazer escapar-se da vista do maior número de seguranças possível e tentar raciocinar na hora do flagrante. Não sabia quem mais podia odiar, se era o pai que traía a honra da família, ou a melhor amiga que despudoradamente não tinha limites pra satisfazer suas fantasias. A ira era tanta que não sentira frio algum naquela manhã fria, mesmo usando uma bermuda jeans que protegia somente a parte superior das alvas coxas.

Quando chegava ao prédio que de longe vira os entrar, se atirou pra trás de uma folhagem grande que enfeitava a entrada do pavimento. Olhando entre os galhos, vira passar a sombra de um rapaz de mais ou menos 25 anos. Ele não caminha muito, pois entra no primeiro carro estacionado, deixando a porta aberta. Quando notou que ele estava distraído, saiu em disparada para as escadas da entrada do lugar. Porém, no meio do caminho, tropeçara e deixara cair seus óculos de grau no chão.

Sem pensar no perigo que corria, Maria Eduarda pára e analisa os óculos, que nenhum arranhão sofreu.


***


Ao mesmo tempo, Inácio ouve um barulho e sai do carro com uma sacola na mão. Ele fica de todas as cores possíveis quando vê uma garota parada aos pés da escadaria. Antes mesmo de poder gritar, ele a assiste como se estivesse congelado. Assim, ela olha pra trás, o vê e sai correndo prédio adentro.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Oi, tio - oitavo capítulo

Camisa social, camiseta, aquela da seleção, ou a xadrez? Casaco de lã, jaqueta, abrigo? Tênis ou sapato? Só sussurrou.

- Cacete!

É lógico que Herón estava em dúvida. Nunca havia feito um filme pornô na vida. E agora não sabia nem a roupa que ia usar. Na prática, não ia usar nada. Então camiseta básica, calça jeans e um daqueles sapatos tipo West Coast. Simples. Só um moleton por cima do ombro, pra caso esfriasse. Se vestiu com a luz apagada. Ao sair do quarto, quando os primeiros raios de sol tocavam a janela de seu quarto, ele olha Ângela coberta pelo edredom, apenas com a cabeça aparecendo, repousada sobre um travesseiro alto. Ele olha friamente, pois mesmo que tentasse, não conseguia nutrir nenhum sentimento por ela nos últimos tempos.

Resolveu tirar os sapatos e só pôr quando chegar lá embaixo, na garagem. O quarto de Maria Eduarda ainda era um obstáculo, pois a porta de madeira não se fechava. Sem fazer um barulho sequer, cruzou o corredor e desceu as escadas. O único barulho que fizera foi quando deixou escorregar das mãos suadas de nervosismo a chave do carro. Com o controle remoto, abriu o portão móvel e apenas soltou o freio-de-mão, fazendo com que o carro descesse sutilmente até a rua.
***

Antes mesmo da hora do despertador tocar, o telefone de Sophia já fazia o silêncio de seu quarto morrer. Uma mensagem. De Herón.

***

Maria Eduarda escuta um barulho, um rangido de porta, e logo se põe de pé. Já tinha tudo planejado em mente. Colocou uma roupa e novamente deitou na cama, tapando-se. Estava amanhecendo. Ela olha só relógio do celular: 7:06. Achou cedo demais para a gravação de um filme, ainda mais pornô. Escuta um barulho de carro na rua. O coração bate mais forte. Tinha perdido a chance? Não se perdoaria. Jamais.
Ficou em silêncio sob seu cobertor, quando ouviu outro ruído. Esperou uma conversa, ou algo que mostrasse que seu pai ainda estava em casa. Nada.

Depois de alguns minutos de puro silêncio, ela enfim ouve um barulho quase inaudível da porta do quarto ao lado se fechando. Acompanha pela fresta da porta uma sombra que se aproxima. Ela pára no meio do caminho, faz um estranho movimento, depois volta a caminhar. No mais absoluto silêncio, a sombra passa na frente do quarto e desce as escadas O sol já está alto quando Maria Eduarda escuta a porta do carro de Herón se fechar.

Ao dobrar a esquina, Maria Eduarda sai correndo pela calçada, com o coração saindo pela boca. Ela não pode perder Herón de vista. Um sonolento taxista, o único no ponto, acorda assustado ao ver aquela garota tão cedo na rua, e batendo furiosamente em seu vidro.
***
- Oi, tio.
- Oi, como tá bonita.

Herón vira-se para, ingênuo, beijar Sophia no rosto, mas ela se antecipa e o beija avidamente na boca. Com a mesma intensidade, ela o larga, se afunda no banco do carona e sorri.

- Tá esperando o que? A gente tem horário marcado lá.

Sophia nem termina de falar, quando um taxi passa por eles. Herón olha preocupado para o carro, mas vê somente o taxista, e nenhum passageiro.

***

- Pode se levantar.

Eduarda, que estava deitada no banco traseiro, ergue-se e questiona.

- Por que isso? O senhor não tá fazendo do jeito que combinamos.
- Calma, guria. Nisso eu sou macaco velho. A melhor forma de tu seguir alguém é indo na frente dela, e não atrás. Aprendi isso com tantos detetives que já passaram por esse carro. Ainda bem que tu sabe onde teu pai ta indo, se não íamos ter que inventar outra coisa. Mas é bom deixar eles entrarem primeiro.
***

- Bom dia. Seus nomes, por favor?
- Bom dia. Pablo e Jeniffer.
- Jeniffer?
- Sim, com jota, um ene e dois efes.
- Ah, gravação de documentário, né?
- Isso mesmo.
- Pode passar.

A cancela se abre e Herón e Sophia entram na universidade.

- Tu não tinha outro nome pra me dar, guria?
- Ué, não gostou?
- Não. E porque Pablo?
- Por nada, ué!
***
Logo em seguida, um taxi pára na entrada da universidade.

- Não quero me meter nessa história, guria. Parei aqui.
- Ta bom. Ó. Fica com o troco.

Maria Eduarda sobe correndo as escadas que acabarão na guarita de segurança.

- Bom dia. Seu nome, por gentileza?
- Ahnn...
- Seu nome, moça.
- Sophia.
- Uhum. Com efe?
- Não. Com pê agá.
- Não tá aqui.
- Ah...vim pra gravação.
- Ok. Pode passar.

Sentindo seu coração sair pulando pela boca, Maria Eduarda procura se manter calma ao atravessar o pátio da universidade. Mas o nervosismo é mais forte que isso.
***
- Estúdio de TV.
- Segurança. Pablo, Jeniffer e Sophia estão subindo pra gravação do documentário.
- Como assim? 3 pessoas?
- Sim. Pablo, Jeniffer e Sophia. Porquê?
- Nada não.