quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

QUATRO HORAS DA MANHÃ

Parece ser o horário mais distante do mundo, daqueles que ninguém tem um contato íntimo. Não conheço uma pessoa que tenha uma lembrança marcante de algum acontecimento que tenha ocorrido às quatro da manhã. Só eu. Deve ser por isso que este horário sempre me lembra silêncio e escuridão, mais que qualquer outro momento assistido pela lua.

“Vamos sair às três”, sentenciava o pai. As malas já arrumadas, o carro revisado, tudo em ordem. Eles iam dormir e eu não conseguia, ansioso com a estrada que ia pegar logo em seguida e um pouco irritado com o calor. Quando pensava em dormir, eles acordavam. Entre tomar um café escorados na pia da cozinha e carregar o carro, passávamos das três e meia. Mas quatro horas da manhã já estávamos comendo os primeiros quilômetros da freeway, rumo à casa dos meus avós maternos, no litoral catarinense. O pai gostava de pegar a estrada esta hora. Eu também.

Um walkman Aiwa era o meu parceiro destes momentos. Na mochila, uns 3 pares de pilhas-reservas e fitas do Engenheiros, do Raul e do Pink Floyd, todas herdadas dos meus irmãos. As K7 eram úteis quando as rádios rock decidiam sumir do dial, logo passando Glorinha. Até lá, eu ia saboreando baladas antigas e b-sides das emissoras daqui, olhando pros out-doors iluminados à beira da BR-290. Tenho até hoje a cena na cabeça: escutando Wonderwall (que eu não sabia de que banda era) e olhando a fábrica da Nutrella ficar pra trás. Tranquilidade extrema. Parecia estar do outro lado do muro da vida.

Deste lado do muro, era estranho imaginar como o "meu" mundo viveria por uns dias sem eu por perto. É engraçado pensar assim, remoendo horas sobre o lugar que eu deveria estar naquele momento. Como ele estaria? Logo depois, eu voltava com a cabeça pra estrada. Achava que era pretensão demais imaginar se sentiriam a minha falta. Logo mais, o amanhecer vinha lá do outro lado da Lagoa dos Barros, e chegava a hora de escutar as fitas. A estrada ficava mais movimentada, o barulho aumentava e a luz do sol começava a atrapalhar. Os raros momentos de prazer estavam por acabar.

Há seis ou oito anos atrás, eu vivia isso. Fim do ano não era tensão. Era término de colégio, começo de férias e de tranqüilidade. Passado alguns anos, agora me vejo numa sinuca de bico, engolido pelo sistema, onde tudo é muito confuso, muito nervoso e pra ontem. Na tal "época da reflexão", me sinto no meio de um mundo onde todos preferem não respirar. Em pleno calor, ninguém sequer repara o quão ridículo é nevar em uma vitrine de shopping enquanto o sol frita lá fora. Eu noto. Prefiro o natural, as coisas não forçadas. Sinto saudade de me recostar no banco de trás de um carro e sentir a vida passar pela janela. Largar o ritmo pesado e simplesmente assistir a paisagem. Se eu pudesse reviver este momento, seria o meu milagre de Natal.

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