
“Vamos sair às três”, sentenciava o pai. As malas já arrumadas, o carro revisado, tudo em ordem. Eles iam dormir e eu não conseguia, ansioso com a estrada que ia pegar logo em seguida e um pouco irritado com o calor. Quando pensava em dormir, eles acordavam. Entre tomar um café escorados na pia da cozinha e carregar o carro, passávamos das três e meia. Mas quatro horas da manhã já estávamos comendo os primeiros quilômetros da freeway, rumo à casa dos meus avós maternos, no litoral catarinense. O pai gostava de pegar a estrada esta hora. Eu também.
Um walkman Aiwa era o meu parceiro destes momentos. Na mochila, uns 3 pares de pilhas-reservas e fitas do Engenheiros, do Raul e do Pink Floyd, todas herdadas dos meus irmãos. As K7 eram úteis quando as rádios rock decidiam sumir do dial, logo passando Glorinha. Até lá, eu ia saboreando baladas antigas e b-sides das emissoras daqui, olhando pros out-doors iluminados à beira da BR-290. Tenho até hoje a cena na cabeça: escutando Wonderwall (que eu não sabia de que banda era) e olhando a fábrica da Nutrella ficar pra trás. Tranquilidade extrema. Parecia estar do outro lado do muro da vida.
Deste lado do muro, era estranho imaginar como o "meu" mundo viveria por uns dias sem eu por perto. É engraçado pensar assim, remoendo horas sobre o lugar que eu deveria estar naquele momento. Como ele estaria? Logo depois, eu voltava com a cabeça pra estrada. Achava que era pretensão demais imaginar se sentiriam a minha falta. Logo mais, o amanhecer vinha lá do outro lado da Lagoa dos Barros, e chegava a hora de escutar as fitas. A estrada ficava mais movimentada, o barulho aumentava e a luz do sol começava a atrapalhar. Os raros momentos de prazer estavam por acabar.
Há seis ou oito anos atrás, eu vivia isso. Fim do ano não era tensão. Era término de colégio, começo de férias e de tranqüilidade. Passado alguns anos, agora me vejo numa sinuca de bico, engolido pelo sistema, onde tudo é muito confuso, muito nervoso e pra ontem. Na tal "época da reflexão", me sinto no meio de um mundo onde todos preferem não respirar. Em pleno calor, ninguém sequer repara o quão ridículo é nevar em uma vitrine de shopping enquanto o sol frita lá fora. Eu noto. Prefiro o natural, as coisas não forçadas. Sinto saudade de me recostar no banco de trás de um carro e sentir a vida passar pela janela. Largar o ritmo pesado e simplesmente assistir a paisagem. Se eu pudesse reviver este momento, seria o meu milagre de Natal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário