terça-feira, 8 de março de 2011

A firula que nos salva.

Um ato estranho de "ser brasileiro" (ou do "ser" brasileiro) é encontrar sempre defeitos na nossa nação. Todos os habitantes desta colônia parecem ser super informados, antenados e com cultura de um déspota esclarecido, e usam desta imaginada clareza para detonar a própria terra. Não me excluo desta lista. Comparo Brasil com Europa, América Latina, Estados Unidos, África, Ásia e Cachoeirinha. Acho defeitos entre o carnaval e o congresso (comparo como se fossem opostos).

Mas se temos todo esse senso crítico, porque os pontos achados nesse jogo de mil erros não são sanados? Simples, os defeitos são todos nossos. O pior de todos - ao lado de não corrigir a própria falta - é não priorizar o básico, e sim pensar direto no "professional", mesmo atracados no "beginning". Ou se fica estagnado onde está, no pé da escada, ou se deseja voar até o alto, pulando de dois em dois ou até de três em três degraus até o topo. É quase inadmissível imaginar que nós teremos forças pra chegar rapidamente ao cume, e ao mesmo tempo esquecer que, se tivéssemos realmente tal capacidade, não estaríamos no chão do mundo há tanto tempo.

Um exemplo bem claro dessa contradição são as paixões brasileiras: o futebol e o carnaval. Nos detemos na Marquês de Sapucaí, pelos acontecimentos recentes. Como a TV aberta está cada vez mais impossível (mais um erro detectado), me detive na transmissão do carnaval carioca. A Salgueiro, tradicionalíssima escola, patinava no asfalto com a destreza de um ballet. Desfile impecável, criatividade no enredo, no samba, nas fantasias e nas alegorias. A minha vontade era parabenizar pessoalmente o carnavalesco. Mas o tempo escorria na madrugada, chegava no fim, e metade da escola ainda na avenida. No fim, aquela festa extremamente criativa se tornava um filme de terror na Praça da Apoteóse. Gritos, empurrões, correrias, uma alegoria quebrada e outra incendiada. O caos formado na festa. Dez minutos de atraso e pontos perdidos na disputa. Lágrimas, discussões e exaltações. Sobrou até para a repórter da tv que estava cobrindo o fim dos desfiles. Mau planejamento, erro primordial. Assistindo esta tristeza transmitida em rede nacional, tentei evitar as comparações. Não evitei o inevitável.

Em um carnaval do Velho Mundo, com escolas de samba europeias desfilando na Champs-Élysées, automaticamente temos outra visão, seguindo a velha teoria da comparação. Talvez os gringos não teriam tanta criatividade e os sambas sairiam toscos, mas podem acreditar que a efetividade para as coisas acontecerem, esta sim eles teriam. Carros alegóricos quebrados? Um a cada 5 anos, com uma instituição idêntica à FIA para inspecioná-los e abrir um processo. Atrasos? Com punições severas e em euros, deixariam de acontecer, até porque todo carnavalesco ensaiaria mil vezes e com rigor militar o tempo do desfile. Barracões? Não. Haveriam verdadeiras escolas, com estruturas anti-incêndio e segurança, e com administradores-sócios de grandes multinacionais. Dinheiro injetado, eficácia nos projetos e eficiência na avenida. Uma adaptação para o carnaval de como conhecemos a Europa.

Se comparamos tanto na teoria, deveríamos ser assim na prática. Ter este faro para administrar nosso país, em todos os sentidos. Mas aqui se prioriza o floreio, o drible e aquele abuso de ter a situação a favor. Já o respeito à regra e a determinação para ser no mínimo eficazes são esquecidos. Aí se faz um lindo desfile, colorido e criativo, e se perde pelo básico (e não como se diz por aí, "no detalhe"). Ou se excede no tempo, ou ainda se faz a alegoria mais bela do mundo, mas se esquece que ela deve andar. Aí ficamos compadecidos, passamos a mão por cima e perdoamos - até porque o desfile foi sensacional, não é?!

Nada acontece, Os erros dos próximos anos serão os mesmos que vimos neste carnaval. Assim a imensa bola de neve de 511 anos desce implacável pela montanha, alimentada pelas firulas que encobrem as falhas fundamentais. E seguiremos apenas comparando e achando erros, todos de braços cruzados.

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