Mas se temos todo esse senso crítico, porque os pontos achados nesse jogo de mil erros não são sanados? Simples, os defeitos são todos nossos. O pior de todos - ao lado de não corrigir a própria falta - é não priorizar o básico, e sim pensar direto no "professional", mesmo atracados no "beginning". Ou se fica estagnado onde está, no pé da escada, ou se deseja voar até o alto, pulando de dois em dois ou até de três em três degraus até o topo. É quase inadmissível imaginar que nós teremos forças pra chegar rapidamente ao cume, e ao mesmo tempo esquecer que, se tivéssemos realmente tal capacidade, não estaríamos no chão do mundo há tanto tempo.
Um exemplo bem claro dessa contradição são as paixões brasileiras: o futebol e o carnaval. Nos detemos na Marquês de Sapucaí, pelos acontecimentos recentes. Como a TV aberta está cada vez mais impossível (mais um erro detectado), me detive na transmissão do carnaval carioca. A Salgueiro, tradicionalíssima escola, patinava no asfalto com a destreza de um ballet. Desfile impecável, criatividade no enredo, no samba, nas fantasias e nas alegorias. A minha vontade era parabenizar pessoalmente o carnavalesco. Mas o tempo escorria na madrugada, chegava no fim, e metade da escola ainda na avenida. No fim, aquela festa extremamente criativa se tornava um filme de terror na Praça da Apoteóse. Gritos, empurrões, correrias, uma alegoria quebrada e outra incendiada. O caos formado na festa. Dez minutos de atraso e pontos perdidos na disputa. Lágrimas, discussões e exaltações. Sobrou até para a repórter da tv que estava cobrindo o fim dos desfiles. Mau planejamento, erro primordial. Assistindo esta tristeza transmitida em rede nacional, tentei evitar as comparações. Não evitei o inevitável.
Em um carnaval do Velho Mundo, com escolas de samba europeias desfilando na Champs-Élysées, automaticamente temos outra visão, seguindo a velha teoria da comparação. Talvez os gringos não teriam tanta criatividade e os sambas sairiam toscos, mas podem acreditar que a efetividade para as coisas acontecerem, esta sim eles teriam. Carros alegóricos quebrados? Um a cada 5 anos, com uma instituição idêntica à FIA para inspecioná-los e abrir um processo. Atrasos? Com punições severas e em euros, deixariam de acontecer, até porque todo carnavalesco ensaiaria mil vezes e com rigor militar o tempo do desfile. Barracões? Não. Haveriam verdadeiras escolas, com estruturas anti-incêndio e segurança, e com administradores-sócios de grandes multinacionais. Dinheiro injetado, eficácia nos projetos e eficiência na avenida. Uma adaptação para o carnaval de como conhecemos a Europa.
Se comparamos tanto na teoria, deveríamos ser assim na prática. Ter este faro para administrar nosso país, em todos os sentidos. Mas aqui se prioriza o floreio, o drible e aquele abuso de ter a situação a favor. Já o respeito à regra e a determinação para ser no mínimo eficazes são esquecidos. Aí se faz um lindo desfile, colorido e criativo, e se perde pelo básico (e não como se diz por aí, "no detalhe"). Ou se excede no tempo, ou ainda se faz a alegoria mais bela do mundo, mas se esquece que ela deve andar. Aí ficamos compadecidos, passamos a mão por cima e perdoamos - até porque o desfile foi sensacional, não é?!
Nada acontece, Os erros dos próximos anos serão os mesmos que vimos neste carnaval. Assim a imensa bola de neve de 511 anos desce implacável pela montanha, alimentada pelas firulas que encobrem as falhas fundamentais. E seguiremos apenas comparando e achando erros, todos de braços cruzados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário