Não bastasse o constante engarrafamento quase paulistano que aumentava com a proximidade das 8 horas da manhã, ainda veio a densa chuva para despertar o mau-humor de Herón, apenas 15 minutos após ele acordar. Agora ele assistia pelo retrovisor sua filha, que havia se atrasado para a aula e o intercedera por uma carona, acordando-o de um profundo sono. “Guria mimada”, ele sempre a xingava na frente da esposa, que a defendia sempre. “O que custa levar ela ali um instantinho?” Como era homem que não apreciava perder nem discussão, também acabava brigando com a esposa, que depois ficava quieta e pensativa, apenas observando-o marchar bufando pra algum canto do apartamento. Também pudera: faltava 1 mês para o aniversário de 20 anos de casamento, e não seria agora que ela iria desafiar a já habitual ira do marido. Como já tinha prática para desarmar o gênio do marido, não estava a fim de pôr em risco a sustentação da família, a construção da nova casa da praia em Atlântida e a mensalidade da escola e do curso de inglês de Maria Eduarda.
- Paai, tu leva a Sophia juntoô?
“Era só o que me faltava!” - Onde é que mora essa Sophia?!
- Ali perto do Parcão.
E agora ali estava ele, em plena Goethe, irritado com a vida que levava nos últimos anos, com a submissão exagerada ao chefe, com a crise iminente na empresa onde trabalhava e todos os outros problemas profissionais. Esperava o apelo e a compreensão da família, mas cada vez se sentia mais injustiçado pelo pai que apenas gastava seu dinheiro, e pela esposa que bajulava cada vez mais a única filha do casal.
Entrou em uma rua residencial não para escapar do movimento, mas para resgatar a caroneira da chuva. Parou em frente a um grande condomínio, e mirou vindo do portão uma figura indefinida entre os grossos pingos de chuva que castigavam a capital no início da manhã. Quando a porta do banco de trás se abre, seu semblante de raiva e stress sumiu como num passe de mágica, aliviando a tensão de sua têmpora e fazendo seu queixo desabar.
Em breve, o próximo capítulo.
3 comentários:
Belo texto, fiquei curioso pra ver a continuação.
quebra costela!
Gostei muito, tô ansiosa pela continuação, beijos ♥ Nynanski
ótimo começo rapaz!
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